Que há de mais bonito e excitante no Caribe?
Imagina-se prontamente: lindas ilhas, águas cristalinas, natureza exuberante, hotéis luxuosos, piratas, galeões, rum, lutas e traições. Lembra-se dos furacões, das destruições de cidades inteiras. Do reggae e de Fidel. É isso. Mas descubro que há algo que as companhias de turismo não mencionam. Não são as praias maravilhosas. Não é a música, ou política. Nada relativo à natureza do lugar. Não são os piratas ou galeões. Nem tampouco furacões, até porque não é época deles. Chego em Antigua à noite, por via aérea. E depois no táxi me aproximo da baía de Falmouth Harbour, onde o Sherycam, um catamarã BV36 me espera. Desço uma montanha, e avisto a baía onde o barco está ancorado. Me espanto e comento com meu parceiro de viagem Anthony – Olha!!! Como Antigua é rica!!! Veja a quantidade de edifícios à beira mar!!!! … Mais de perto, confiro: não são edifícios, nem hotéis luxuosos, nem qualquer construção em terra firme. São simplesmente os mastros dos megaiates iluminados que, de tão altos, trazem em toda sua extensão luzes brancas e, por fim, na extremidade uma luz vermelha de advertência à aviação, sim à aviação, igualmente como os prédios de uma cidade.
O agradável espanto se transforma em fascinação quando aos poucos me aproximo da marina. A quantidade e variedade dos modelos de embarcações enchem os olhos de qualquer apaixonado por náutica. E ali, naquele momento, se encontravam os mais belos e maiores veleiros que já vira em minha vida. Admiro a qualidade dos equipamentos, o tamanho descomunal das embarcações, dos aparelhos de laborar. O brilho dos cascos que refletia nossa imagem como espelho. Os sinos dourados com inscrições, as escadas trabalhadas em madeira com limpa pés e cartão magnético de acesso. Os brasões estampados na ponta da retranca. Tudo é grandioso. Tudo é maiúsculo. Nada escapa à perfeição. A qualidade e esmero do trabalho humano não estão apenas na construção, mas também na conservação – horas e horas de cuidado das tripulações. Tudo parece pertencer a uma exposição, a um museu, ou a uma coleção de arte. São pessoas dedicadas exclusivamente às embarcações, que parecem princesas mimadas pelos seus serviçais. Tripulações de todo o mundo, várias línguas, vários sotaques.
Digo sem medo, Antigua é maravilhosa.
Suas praias? Talvez sejam. Vi somente umas duas ou três. Não tive tempo, preferi ver os barcos. Hora de preparar o barco para viagem, ajustamos estais, verificamos a embarcação por inteiro e abastecemos de víveres: tudo pronto para sair de Antigua. Nos quinze dias anteriores verifiquei a direção e a intensidade dos ventos, o desenrolar de cada mau tempo que houve, e todas as condições possíveis para efetuar a escolha do melhor trajeto até o Brasil. Me informei também com os amigos do Maranhão que já fizeram a travessia até São Luis, Moacyr e Sergio Martins, a bordo do Physalia (Praia 30), e Sergio Marques que a fez no Morubixaba (Taaroa 900), este último, construtor do Sherycam (BV36) e meu mestre no aprendizado da vela nas minhas primeiras viagens como seu tripulante.
Tudo preparado. Eu, Fernando Ronahak, e Anthony Boden, partimos de Antigua às 10:30 horas do dia 14 de março de 2012. O vento amanhece soprando de leste, após três dias soprando de nordeste direção que seria ideal para a nossa saída. Pensei… perdi a janela de tempo certa para a saída. Na vinda até Grenada o vento insistiu em toda a viagem soprar de leste, fazendo nossa média de velocidade cair consideravelmente, já que não possuíamos no barco nenhuma vela adequada para uma singradura em popa. E agora? Será que o barco vai se comportar bem o suficiente para vencer a corrente e ventos contrários? Saímos de Antigua e buscamos atingir uma distância de 170 milhas náuticas do través de Barbados, fato conseguido pelos outros barcos nas viagens anteriores. Entretanto, eu verificava, que pela posição atual dos ventos, que tal distância seria impossível de conseguir.
Resolvo mudar minha estratégia. Como acompanhei as previsões, e recordando as últimas viagens que fiz de São Luis para o Caribe, verifiquei que mesmo que o vento predomine de leste, ao aproximar da América do Sul, perto da Guiana Francesa e do Amapá o mesmo geralmente ronda para nordeste. Então minha estratégia foi: vou “meter a mão” no barco até atingir a altura das guianas para depois aproveitar o vento nordeste. Assim o fiz. Passamos por Guadalupe tão perto que ficamos entre esta e a pequena ilha de Désirade. Depois descemos até o través de Barbados a apenas 50 milhas náuticas. Como pensava antes, agora tenho certeza que, é possível vir na vela de Barbados até São Luis. Não optei por uma orça fechada, pois queria que o barco rendesse o máximo possível para justamente abreviar o tempo da viagem, portanto até as Guianas a média era de 8 a 9 nós, em uma orça normal.
O barco se comporta muito bem e a viagem transcorre sem nenhum problema. Chegamos próximo às Guianas; o vento ainda não rondou e eu me pergunto: será que terei que ir assim até o Suriname?! Rsrsrs. Mas a ousadia dá frutos. Ao aproximarmos do continente o vento começa a rondar de nordeste e, por muitas vezes, navegamos com as velas folgadas recebendo o vento pela alheta de bombordo. Posso então navegar diretamente para leste. Porém, mais uma vez, arrisco. Não vou para leste para ganhar altura, vou permanecer nessa singradura – quase que uma linha reta de Antigua até São Luis -, pois tenho certeza que o vento irá oscilar entre nordeste e leste. E assim fiz, e a rota se desenhava vagarosamente como uma linha reta entre a saída e o destino. Passamos a 78 milhas náuticas do Oiapoque, estamos no Brasil, mas bem longe de casa ainda. E ainda temos pela frente o Amazonas.
Muitos acham que o Amazonas é um problema pela sua corrente contra. Não é verdade. Quando você chega ao Amazonas as águas empurram para o norte e o vento vem empurrando você para sudoeste, então a corrente é praticamente anulada e não oferece resistência alguma ao seu avanço. O perigo maior do Amazonas são os inúmeros barcos pesqueiros que estão até mais de 160 milhas da costa. Passamos por eles falando ao rádio e pedimos informações sobre a posição das redes. É muito bom falar ao rádio em português, também como é bom entender e ser entendido, se você já tentou falar com algum nativo no Caribe sabe o que estou falando. Chegamos a São Luis, não completamos treze dias de viagem. São três a menos que os outros.
Usamos nosso motor no trajeto quando o vento caiu muito de intensidade, porém não gastamos 150 litros de óleo diesel, bem como o motor não foi usado para alterar nossa rota, mas apenas para não diminuir nossa velocidade. Portanto, a opção de vir do Caribe até São Luis apenas na vela é verdadeira, tranqüila, e segura. É claro que depois até o Cabo Calcanhar, Rio Grande do Norte, é outra aventura, mas também existe o jeitinho maranhense de ir, e é só esperar para saber como é.
Glauco Vaz